Trabalho contínuo

Santa Catarina é um dos maiores produtores da madeira do Brasil. O reflorestamento no Estado gera empregos e impulsiona a economia de maneira sustentável, garantindo o futuro de um setor que tem cada vez mais importância para o mundo. Jose Mario de Aguiar Ferreira, novo presidente da ACR (Associação Catarinense de Empresas Florestais), assume para o biênio 2022/2023 e conta com exclusividade sobre os objetivos de sua gestão.

FLORESTAL: Como foi sua chegada à presidência da ACR?

Jose: A RMS, empresa na qual trabalho, faz gestão de investimentos florestais, modalidade conhecida como TIMO (Timber Investment and Management Organization). Quando a RMS iniciou as operações na região sul, em 2008, tive o primeiro contato com a ACR. Como a RMS sempre deu muito valor ao associativismo e a cooperação, a decisão de adesão foi relativamente rápida. Em 2015 passamos a participar ativamente do quadro de diretoria da associação. Em 2017 fui nomeado diretor de ecologia e meio ambiente e passei a me envolver nas deliberações da entidade. Em 2021, a RMS se colocou à disposição para se candidatar à presidência e meu nome foi indicado. Após várias reuniões da diretoria, o grupo enxergou que uma gestão com um representante da RMS seria benéfica para a associação, principalmente porque poderia trazer uma mentalidade alternativa à gestão e em 2022 fui eleito presidente.

FLORESTAL: Como fui sua trajetória no setor florestal?

Jose: Meu pai, Mario Ferreira, foi uma pessoa muito importante no setor. Foi Professor Titular na área de Melhoramento Florestal do Departamento de Ciências Florestais da ESALQ/USP, consultor internacional e membro da FAO/ONU, publicou centenas de trabalhos, orientou dezenas de estudantes e foi um dos responsáveis pelo desenvolvimento do melhoramento florestal no Brasil e no mundo. Integrante do chamado Trio Parada Dura, juntamente com os professores Heladio do Amaral e João Simões, foram os pioneiros e desbravadores das fronteiras florestais. Era, acima de tudo, um apaixonado pela profissão e algumas vezes me levava com ele nas viagens de trabalho ao Horto Florestal de Rio Claro (berço da silvicultura avançada) e estações experimentais de Anhembi e Itatinga (importantes bancos genéticos de espécies florestais). Não demorou muito para que o interesse pela profissão despertasse em mim. Acabei trilhando quase o mesmo caminho. Me formei em Engenharia Florestal em 1998 e obtive o título de Mestre em Recursos Florestais em 2007, todos pela ESALQ/USP. Trabalhei na Auburn University, no Alabama/EUA e, logo em seguida, trabalhei em diversas áreas do departamento florestal da antiga Champion Papel e Celulose, depois International Paper (agora Sylvamo). Em 2008 fui convidado a trabalhar na então recém-criada RMS do Brasil, com o objetivo de auxiliar na estruturação da empresa e no primeiro investimento florestal no país, bem como, iniciar as operações da RMS no Brasil. Atualmente sou responsável pelas diversas áreas de suporte à operação da empresa, como saúde e segurança, planejamento, ESG, TI e sistemas, pesquisa e desenvolvimento e negócios.

FLORESTAL: Quais ações da ACR são feitas em favor dos associados?

Jose: Guiamos as ações pelo Plano Estratégico, revisado pela última vez em 2017. Tentamos sempre manter o equilíbrio de esforços entre as Macro Ações Transversais definidas no plano, que são: papel institucional, competitividade setorial e comunicação. Temos algumas frentes de trabalho, sempre pensando no fortalecimento dos associados, do setor florestal em Santa Catarina e, consequentemente, do Brasil. Atuamos buscando e compartilhando conhecimento dentro do setor, organizamos cursos e treinamentos. A ACR tem pesquisas desenvolvidas com a EMBRAPA Florestas, UDESC, CIDASC e outras instituições de pesquisa, além de profissionais renomados internacionalmente. Acabamos de lançar a quarta edição do Anuário Estatístico de Base Florestal para o Estado de Santa Catarina, que utilizou imagens de satélite para um levantamento inédito e muito preciso dos plantios florestais no Estado. Temos as reuniões técnicas e alguns grupos de trabalho, como o de comunicação e de saúde e segurança do trabalho, com representantes de todas as empresas associadas, justamente para compartilharmos o que cada uma tem de melhor, e que pode ser aproveitado nas outras empresas. Temos um trabalho muito forte e próximo das esferas legislativa e executiva (em nível federal e estadual), para que possamos de alguma forma nos informar e tentar influenciar nos assuntos e trâmites que afetam o nosso setor. Afinal, o setor de base florestal é altamente relevante para a economia e para o meio ambiente. No âmbito federal, a atuação é um conjunto com a IBÁ (Indústria Brasileira de Árvores), da qual somos associados. E assim, junto com outras associações estaduais, levamos nossos pleitos à Brasília. A madeira de Santa Catarina é reconhecida internacionalmente pela sanidade vegetal e cuidados com as questões fitossanitárias. Estamos frequentemente debatendo sobre os processos para exportações catarinenses de produtos de madeira. Anualmente temos a campanha de prevenção e combate à vespa-da-madeira, principal praga para a silvicultura do pinus. Atuamos, junto com o Corpo de Bombeiros Militar, na prevenção e combate aos incêndios florestais. 

FLORESTAL: Quais ações para atrair associados?

Jose: Primeiramente, tentamos sempre relembrar o imenso valor do associativismo e dos benefícios que ele traz para os associados e para o setor, que são, principalmente, o aumento da expressão social, política, ambiental e econômica. A nossa própria história e reputação tem naturalmente atraído novos associados, que procuram se beneficiar e contribuir com o grupo. E a ACR preza muito por essa reciprocidade, que é um dos principais critérios de seleção e aprovação de novos associados. Na verdade, o foco da associação não está necessariamente em atrair novos associados, mas sim, fortalecer a associação e o setor, como um todo.

FLORESTAL: Como a ACR trabalha em parceria com outras associações?

Jose: Temos uma proximidade muito grande com a APRE (Associação Paranaense de Empresas de Base Florestal) e AGEFLOR (Associação Gaúcha de Empresas Florestais). Tanto que, juntas, as três associações da região sul formam a ASBR (Associação Sul Brasileira de Empresas Florestais). Isso porque temos realidades muito parecidas. A cultura do pinus é predominante na região sul. Então toda a cadeia, os problemas, desafios e soluções são comuns. Nossas florestas não enxergam fronteiras, por isso nada mais inteligente do que atuarmos conjuntamente. As associações daqui do sul fazem também a gestão do FUNCEMA (Fundo Nacional de Controle de Pragas Florestais) de maneira conjunta. Em nível nacional fazemos parte da IBÁ (Indústria Brasileira de Árvores), da qual todas as associações estaduais de base florestal fazem parte. Existe uma união muito grande também. Juntos atuamos na Câmara Setorial de Florestas Plantadas do MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) e em diversas outras frentes que envolvem a legislação federal.   

FLORESTAL: Quais as metas de ESG da ACR?

Jose: Não só a ACR, mas o setor florestal catarinense e as empresas associadas já trabalham questões ambientais, sociais e de governança muito antes do termo ESG passar a fazer parte do cotidiano das organizações. O setor florestal é muito bem organizado, e se não fosse não teria como prosperar. Não teria competitividade. É um setor que depende do equilíbrio ambiental, por isso é também um dos que mais preserva o meio ambiente. Na parte social, temos muitas empresas que atuam junto às suas comunidades, oferecendo cursos, treinamentos, oportunidades. E isso está registrado em nossos números. Percebemos um avanço significativo nos índices de desenvolvimento humano das cidades onde estão os principais polos florestais de Santa Catarina. As empresas estão precisando de profissionais cada vez mais capacitados. Isso eleva o nível de qualificação das pessoas que trabalham na área e consequentemente a remuneração. O terceiro item do ESG, a Governança, também é muito presente, e não é de hoje. Vemos nas empresas gestores muito bem preparados, com experiências internacionais, equipes planejando suas áreas em curto, médio e longo prazo. Cláusulas de compliance, certificações, tudo muito bem programado.

FLORESTAL: Como funciona a seleção de temas para os cursos oferecidos pela associação?

Jose: Normalmente consultamos as empresas associadas sobre quais as principais necessidades e anseios. Com base nessas pesquisas, partimos para uma busca por profissionais disponíveis e com qualificação para atender as expectativas e demandas dos nossos associados. Alguns temas surgem também com os movimentos do mercado. O Workshop Florestas Plantadas & Energia, agora de agosto, é um exemplo. A demanda mundial por energia só aumenta, e a madeira é fonte renovável. Temos uma grande oportunidade nas mãos. Para isso precisamos desenvolver tecnologia, abrir mercados e otimizar nossa matéria-prima.   

FLORESTAL: Quais são os principais planos de sua gestão?

Jose: Pretendemos, primeiramente, dar continuidade aos bons trabalhos que as gestões anteriores iniciaram. No curto prazo, teremos que trabalhar intensamente nas próximas eleições, tanto com os candidatos, como com os políticos eleitos. Temos que expor as nossas demandas e ter certeza de que seremos sempre lembrados e consultados quando houver alguma pauta de nosso interesse. Temos também que acompanhar de perto a elaboração do decreto relativo ao nosso Código Florestal, recentemente revisado, a fim de garantir a continuidade da boa evolução e aperfeiçoamento da nossa legislação ambiental estadual. Santa Catarina tem sido referência nesse trabalho. Outro assunto urgente em nossos planos é relativo aos campos de altitude. Precisamos resolver da melhor maneira possível a falta de concordância a esse respeito. No médio e longo prazo precisamos manter o excelente trabalho institucional que a ACR tem feito e buscar melhorar a comunicação externa sobre o nosso setor. Existe muito material disponível. Penso que precisamos somente de estímulo para que haja mais produção de matérias e divulgação. No médio e longo prazo também precisamos trabalhar em formas de expansão da nossa área plantada no Estado. Isso é muito importante para a sobrevivência do nosso setor. E para isso temos que trabalhar em eliminar as dificuldades e aumentar os estímulos.

FLORESTAL: Santa Catarina produz 35% pinus do Brasil. Quais os planos para expansão e desenvolvimento desses plantios?

Jose: Precisamos expandir os plantios. Tanto em área, como em produtividade. Temos as melhores condições de solo e clima do mundo para o crescimento do pinus. Temos competência florestal e industrial e vocação para a exportação, e temos que tirar mais proveito disso. Os nossos concorrentes são muito maiores do que nós. Só o Estado do Alabama, nos EUA, por exemplo, tem 10 milhões de há (hectares) de florestas comerciais, predominantemente de pinus. Isso é mais do que toda a área de florestas plantadas do Brasil. Um Estado somente. Temos que entender melhor porque o cultivo florestal é menos interessante do que as outras culturas aqui em Santa Catarina e tentar agir para aumentar esse interesse. Estamos oscilando ao redor de 1 milhão de ha de florestas plantadas há muito tempo. Diminuição da burocracia, da carga tributária, crédito mais acessível e assistência técnica sempre são os principais alvos a se atacar. E o aumento de produtividade tem que vir através de mais investimentos em pesquisa. Não acredito que a produtividade e a qualidade do nosso pinus estão próximas do limite. Temos associados que conseguem produzir florestas de pinus com mais de 50 m³/ha/ano de produtividade. Temos o IPEF (Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais), a EMBRAPA Florestas e excelentes universidades (UDESC, FURB, UFSC) como parceiros importantíssimos para o desenvolvimento de projetos e programas cooperativos de pesquisa. Existe uma grande escassez de pesquisa e desenvolvimento com pinus no Brasil e acredito que o formato cooperativo de pesquisa seja uma das melhores soluções para o aumento da produção técnica, científica e a consequente aceleração do desenvolvimento.

FLORESTAL: A ACR incentiva e patrocina pesquisas de espécies plantadas?

Jose: Sim. A ACR tem projetos próprios e com outras instituições relacionados à pesquisa. Não só especificamente na parte de plantas, mas tudo que envolve o desenvolvimento de árvores para fins comerciais. Atualmente a associação faz a gestão do FUNCEMA. Graças ao FUNCEMA, nos anos 1980 e 1990, é que foi possível manter os plantios de pinus na região sul. A chegada da vespa-da-madeira se transformou em uma grande ameaça, a ponto de inviabilizar a cultura do gênero pinus no país. Os recursos do fundo foram para desenvolver uma solução, até que a EMBRAPA Florestas chegou ao Nematec, nome comercial do nematoide que faz o controle biológico da vespa-da-madeira. Diversas empresas associadas à ACR fazem parte do FUNPINUS (Fundo de Melhoramento do Pinus), mantido em parceria com a EMBRAPA Florestas, que aporta recursos para desenvolver árvores que produzam madeira em maior quantidade e melhor qualidade. Contratamos um levantamento que utilizou imagens de satélite para o mapeamento dos plantios florestais. Os resultados estão publicamos no Anuário 2022. Fazemos convênios com universidades, como já foi o caso da UDESC (Universidade do Estado de Santa Catarina), para questões fitossanitárias. Temos convênio também com o IPEF, que faz parte do quadro associativo da ACR e possui diversos programas cooperativos muito interessantes.  

FLORESTAL: O mercado de móveis de Santa Catarina é um dos que mais cresce no país.  A produção de madeira hoje consegue atender a demanda do mercado moveleiro?

Jose: Santa Catarina tem por tradição ser um Estado moveleiro. Esta cultura veio com os imigrantes europeus, que trouxeram consigo a prática de produzir móveis, casas e diversos utensílios com madeira. As grandes empresas fabricantes de móveis, principalmente as que exportam bastante, têm suas próprias florestas e são autossuficientes na questão de matéria-prima. Quando não, elas têm parceiros sólidos, capazes de atender a demanda. Não só a FIESC (Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina) tem esta preocupação, de suprir a indústria com matéria-prima de qualidade. A ACR fez um trabalho muito sério junto com o SINDUSMOBIL (Sindicato das Indústrias da Construção e do Mobiliário de São Bento do Sul) e EMBRAPA Florestas em dos principais polos moveleiros do Brasil. Além disso, temos um relacionamento muito estreito com a ABIMCI (Associação Brasileira da Indústria de Madeira Processada Mecanicamente) que, além deste desafio, tratamos de tudo que envolve o nosso setor. Não acredito que vá faltar madeira, mas todo mercado é movido por oferta e demanda. Se o consumo aumentar, o preço vai subir e vice-versa.

FLORESTAL: Recentemente foi lançado o anuário da ACR. Qual a importância dessa compilação de informações para os produtores de madeira?

Jose: O anuário é um documento que apresenta dados concretos, mapeamento, séries históricas e outros números e informações do que já aconteceu. Com base nessas informações é possível planejar e se preparar para o que pode vir a acontecer. São tendências. Então, o anuário é uma ferramenta, não só para produtores de madeira, mas para todo mundo que está envolvido com o setor, profissionais de empresas florestais, prestadores de serviço, professores, estudantes, pesquisadores, gestores. É um instrumento muito poderoso que auxilia nas tomadas de decisão, na construção de políticas públicas que envolvam o setor de base florestal. Nossa intenção é que gestores, públicos e privados, utilizem este documento como base sempre que forem planejar novos investimentos ou traçar planos de governo, gestão de empresas.

FLORESTAL: O que a ACR espera do setor público?

Jose: Como é de praxe, sempre em períodos pré-eleitorais, a ACR redige e protocola um documento com os pleitos do setor aos candidatos ao governo. A associação é agregadora, aceita toda e qualquer ajuda. Mas nosso pensamento é de que devemos trabalhar independente da vontade dos governantes. Não podemos esperar por políticas públicas para avançar. É claro que se o apoio vier ele será muito bem-vindo. Publicamos a quarta edição do nosso anuário estatístico e colocamos essas informações à disposição dos governos. Se vier algo no sentido inverso, nós seremos parceiros, com toda certeza. 

FLORESTAL: Qual será o legado de sua gestão?

Jose: Espero entregar uma associação ainda melhor do que assumi. Que os associados continuem a acreditar no associativismo e a investir na associação para as demandas e necessidades comuns. Que sejamos conhecidos e lembrados pelos atores e tomadores de decisão (novos ou atuais) mais importantes, que nos influenciam de alguma forma. E que o trabalho dos nossos associados seja mais conhecido, divulgado e admirado no nosso Estado.

Entrevista da REFERÊNCIA FLORESTAL, edição 244.

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